“Todo homem é um campo de batalha e o artista é sempre um transgressor.
Os que acham que o ator vai para o palco somente para fazer o que aqui fora é
proibido têm uma visão preconceituosa da profissão. O palco é um espaço
libertário por excelência e quem não tem demônios dentro de si não aguenta o
jogo”. (Fernanda Montenegro em O Exercício da Paixão, segundo Lucia Rito,1990)
O jogo duplo: vida e arte se confundem em
tempos-espaços. Na diversidade de pseudônimos, ou nomes artísticos; a carreira
de sucesso de grandes intérpretes em seus espetáculos, (fora o jogo do drama e
da comédia) começa por meio de outro Nome, o teatral. Ser e tornar-se
intérprete da cena (vocação). João Álvaro Quental (Procópio) Ferreira; Gentile
Maria (Della Costa) Marchioro; Sérgio Corrêa de Britto; Dolores
(Dercy) Gonçalves Costa; Arlette Pinheiro Esteves da Silva (Fernanda
Montenegro); Francisco (Chico) Anysio de Oliveira Paula Filho, são alguns
exemplos disso. Tomar parte de outro é aventurar-se em dupla personalidade. Por
isso que, perante minha própria prática de formação teatral e de vida, como
comprovação de [r]existência no Teatro me chamo Lúcio Leonn. Da ação do
jogo teatral Ator\persona, é permanecer em duplo sentido: estar sendo...
Segundo BROOK (2000 p.20): A porta
aberta: Reflexões sobre a interpretação
e o teatro;
Isso nos leva à questão do ator como artista. Pode-se afirmar que o
verdadeiro artista está sempre disposto a qualquer sacrifício para atingir um momento
de criatividade. O artista medíocre prefere não correr riscos, e por isso é
convencional. Tudo que é convencional, tudo que é medíocre, está relacionado a
esse medo. O ator convencional põe um lacre em seu trabalho, e lacrar é um ato
defensivo. Quem se protege ‘constrói’ e ‘lacra’. Quem quer se abrir tem que
destruir as paredes (In: “As Artimanhas do Tédio”).
Assim, ações em vidas de jogos teatrais por Paschoal
Carlos Magno e seu Teatro do Estudante do Brasil (1938/1952); Alfredo Mesquita
e sua Escola de Arte Dramática (EAD\1948); o talento nobre de Dulcina de Moraes
(quem lutou muito) por uma Fundação Brasileira (escola) de Teatro
(1955\1968-RJ\1980-DF); B. de Paiva, grande idealizador do Curso de Arte
Dramática da Universidade Federal do Ceará (1960), anos mais tarde (1969 para
1970) criou o primeiro curso superior de artes cênicas, na Escola de Teatro da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio); além de tornar-se
fundador da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (1982).
Tais ações em jogo (teatral) é esquecer-se de si e
dá vida a outro ser, tão perene de existência; o ator\papel\função\vida de
artista. Ser atemporal, ao mesmo instante, fundir-se de tempo-espaço, estar em
(não-) lugares\diferentes – é, resultar-se memorial. Manifestação teatral de
subsistência no meio a tantos jogos de verdades e “mentiras”. Tanto que, nas
(primeiras) palavras da atriz Fernanda Montenegro (1988), “é a perseverança da
verdadeira vocação que vai distinguir o jogo verdadeiro do jogo mentiroso”
(p.14). E, por esta razão, é “o jogo do talento e da vocação” à meio de tantos
ou, outros jogos verdadeiros do jogo mentiroso: o jogo não vocacional do
“artista”. Uma regra meio que distorcida da partida dele, ou, do seu ato de
jogar... Teatrar... (Na arte\vida). Seguiremos agora para
o jogo entre\o estar\sendo:
intérprete\personagem. Breve experiência
pessoal na vivência do jogo\teatral de papéis.
O Papel do Ator\Atriz - Intérpretes diante de Cenas
Por um olhar de ator e diretor o francês Maurice
Durozier (Théâtre du Soleil); sendo
seu discípulo desde 1988, nos abre aqui o nosso jogo teatral\intérprete
brasileiro: “Pontualidade é essencial. Fazer teatro, também é controlar o
tempo” (Citação oral,14.06.2010. Oficina (2) o Teatro é o Outro, Sala de Teatro
Nadir Sabóia -Theatro José de Alencar\TJA: Fortaleza - CE.). Então, é porque se representa outros jogos de
elementos constituintes no Teatro que se queira atingir como meio de expressão
cênica durante o processo e linha de montagem, coletivamente (respeitando as
devidas atribuições\concepção de todos os artistas\o jogador em seus elementos
técnico-constitutivos inseridos na cena).
Segundo o Professor Paulo Vieira (apresentação à
edição brasileira: a arte do efêmero, p.19) sobre a encenadora Ariane Mnouchkine
(1939-) e as leis de seu Théâtre du
Soleil (desde 1964) indica-nos que: “durante o jogo de preparação do ator,
toma direção contrária a que Stanislavski
apontou, trabalhando antes as situações propostas do que as emoções que são
a seu ver, resultado do encontro entre o ator e o espectador”(In: FERAL,
Josette (2010). Encontros com Ariane Mnouchkine: erguendo um monumento ao
efêmero. Editora Senac São Paulo: Edições SESC SP.).
Outrora, após ter sido selecionado como aluno-ator
Oficina Théâtre du Soleil (CE) “Curso de Interpretação a partir de Trabalho com
Máscaras e Maquiagem” (1988)[1], ministrada
por Georges Bigot e Maurice Durozier; um das leis do jogo presente era:
“encontrem-se em cena com o outro ator\personagem. Tudo que se realiza na cena
é do ponto de vista do papel (personalidade da máscara); da situação dramática
do texto (improvisação)”.
Fundindo tal memória de espaço\tempo ao ano de 2010,
mais uma vez, Durozier alerta o intérprete de hoje: “Não podemos fabricar
emoções. Busca-se a emoção em estado puro. E, cada emoção tem uma ação
orgânica; provocam mudanças profundas no corpo do ator e na plateia. Para isso
trabalha-se com a imaginação” (citação oral; “Oficina (2) O Teatro é o Outro”,
15 de julho\TJA). Além disto, diante do palco\espetáculos\recepção\audiência–
tendo à frente como mediador\orientador o artista\educador são ações de
potencializar o trabalho artístico do intérprete\criador. Retomando o aspecto
da figura do encenador tem de fazer fruir os elementos visuais como são
(literalidade). Tem de fazer uma representação literal e não criativa. Devem-se
criar imagens! Já o ator cria imagem através da ação. E, não interpreta o
resultado destas.
Uma vez que (FORTUNA, 2000: A Performance da
Oralidade Teatral) nos diz que:
O ator jogador, permanentemente consciente, é capaz de ser absorvido
inteiramente pelo jogo, mas sempre senhor dele e nunca escravo. Melhor dizendo,
ele é sempre senhor, simulando ser escravo. [...] O jogo é jogado até o fim,
dentro de certos limites de tempo e de espaço, com caminhos, destinos e
sentidos próprios. Inicia-se e em determinado momento acaba. O jogo é
territorializado por um espaço determinado, espaço sagrado, círculo mágico. O
palco, tal como a arena, o templo, o lar, a tela, o campo de tênis, têm todos a
forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados,
sacralizados, circunscritos a um mundo temporário; em pleno interior são
instituídas e respeitadas determinadas regras. Todos eles são mundo
transitórios dentro do mundo habitual, dedicados à pratica de uma atividade
especial. (Tópicos “Ator – O Mestre do Jogo” p.86; “Jogo- Tempo e Espaços
Sagrados – Ordem e Regras” p.87): Capítulo II- Jogo e Prazer no Efêmero Cênico.
O jogo (dramático) teatral é uma aventura da criação
e o ator nunca para. O trabalho segue no interior do corpo de intérprete. Tanto
que conheci os apontamentos teatrais de Marlene Fortuna ano de 1996, durante o
I Festival Nacional de Teatro de Jacareí em São Paulo, ainda na sua palestra:
“A Construção do Ator”, ocasião àquela quando também, foi júri oficial do
festival, juntamente com os atores: Ewerton de Castro e Lélia Abramo. Marlene
Fortuna é atriz e hoje professora, ex-integrante do Macunaíma Grupo de Arte
Teatral-Teatro Antunes Filho, início da década de 1980. Sua palestra tornou-se
parte paralela ao evento. Lembro-me, que quanto ao jogo de “Corpo e Voz”,
Fortuna referia-se a técnica do desequilíbrio, o relaxamento, a respiração, os
princípios em técnicas orientais, a plena consciência da repetição, etc. Citando
Fortuna, como “Conseguir Espontaneidade da Representação dos Mecanismos de
Defesa dos Personagens; Onde em todo texto há um mecanismo de defesa”. Assim
como também lembro, que seus “Ensaios” citando ainda Fortuna, tratavam-se de
“Espaço Sagrado para Rasuras e Probabilidades”, (ou seja, testagem), bem como
da presença da ética mais estética e da absoluta disciplina (Lucena 2002,
p.56).
Para tanto, ainda
hoje seguindo seus fundamentos devemos deixar a ressonância de suas ideias
(temas) ecoarem em nós, igualmente no grupo (ator\jogadores). Fazer todos à
comunhão do saber ouvir. Justo: “O teatro é um ofício. O diretor trabalha e
escuta. Ele ajuda os atores a trabalhar e escutar”; (Brook, p.102): “Não Há
Segredos”. É uma regra de respeito igualmente à criação cênica. E, mediação\orientação
do processo pré-(pós)-cênico. “Inventar um jogo teatral significa também
inventar um verbo que não seja totalmente emprestado da realidade” (Catherine
Mounier apud Paulo Vieira, segundo
Feral 2010, p.18).
Já SALLES (2004, p.51) diante de relato do ator e
diretor paraense Luis Melo (1993) quando em construção de espetáculo, nos
revela o seguinte: “Há um tempo de adaptação com o outro para saber como jogar
com ele”. E, sobre o tal pensamento “como meio de expressão cênica”; durante o
processo em abordagem colaborativa, a atriz Marília Pera (1988) confirma: “Para
mudar uma marca só para mudar não interessa. Você vai se seu personagem tiver
realmente de ir. E quando você for, tente perceber se você está formando um
desenho bonito de se ver de fora e que esteja utilizando bem o espaço” (Salles
p.77). Notam-se ambas as descrições acima, a presença do jogo subjetivo. Da objetividade
da, e, na cena, em cada intérprete, a partir da fisicalização do outro; de
si\ambiente da ação\tempos\espaços. Um duplo; múltiplo divertido ou tortuoso
jogo na compreensão de sentidos. Da busca do uníssono: o espetáculo.
Emiliano Queiroz (Aracati\CE 1936-) ator cearense consagrado
na cena brasileira (teatro, cinema, telenovelas e dramaturgia) sendo aluno do
terceiro mestre Eugenio Kusnet no curso para atores profissionais do Teatro
Oficina de São Paulo, o mestre sempre solicitava um exercício que Emiliano
gostava muito. “Quero que conte um fato real evitando a fantasia. No decorrer
da narrativa, você toma a liderança e cria uma cena” (inspiração para a peça): “Na
Sobremesa da Vida”, direção Ernesto Piccolo. (In: Folder da peça (Teatro
Emiliano Queiroz\SESC Ceará: 2012.)). Ou ainda, [Emiliano Queiroz apud segundo
LETICIA, 2006]: “um exercício onde a narrativa desse lugar à ação sem que se
perdesse concentração e a emoção proposta” (p. 85).
Via de regra, surge nosso oficio em jogo a tomar
corpo de intérprete diante das cenas e situações adversas. A lei do saber-fazer
aqui e agora. Uma possibilidade de inúmeras abordagens pela experiência pessoal
na vivência do jogo teatral. E, Emiliano no decorrer de sua profissão, como ator
(brasileiro) soube tirar proveito disso.
Enfim,
o papel do ator\atriz - intérpretes
diante de cenas – nos estudos de Fortuna faz-nos, também, compreender que:
O jogo, sabemos, é um dos mais fortes instrumentos ideológicos do ator no
sentido de impedir-lhes a tão nociva simbiose com o personagem. A partir do
momento em que o ator e o personagem se transformam num só coração, em unidade,
a beleza da interpretação tende a desaparecer, pela dissolução dos referenciais
e com eles a lucidez indispensável do jogo. In: O Jogo – O ator e o Mediador\Investigador.
Subtópico “O Fenômeno do Distanciamento” (p.101).
Então, o jogo teatral funciona como uma transmutação
do intérprete ao plano real\ficcional da cena (circunstâncias justificadas);
seu salto ao vazio adquire uma força de abordagem de estar no “plano da razão”
pela mediação consciente; revelando-se na técnica ou numa abordagem. Pois, “Todo
artista é partidário da ideia de que a prática do teatro depende sim, de uma
técnica” (segundo Celso Nunes (1992) apud Lucena 2002, p. 21). No mesmo
tempo-espaço, ocultar-se ao infinito das cenas. Partícipe em equilíbrio
teatral: texto\plateia. O entre\estar\sendo: ator\personagem\artista, o
jogo\teatral\acontecimento\vida.
[1] Ver
igualmente, o trecho “Oficina Teatral: Uma Experiência Francesa que deu certo
em Fortaleza” (Anexo
II- parte integrante da pesquisa em
pós-graduação, intitulada: “Os Processos de Formação Teatral em Fortaleza na
Década de 1990: Memórias de um Ator” (2002 pp.97-98.).). Disponível em:
http://notasdator.blogspot.com.br/2008/11/oficina-teatral
uma-experiencia-francesa.html.
Referência: LUCENA, Lúcio José de Azevêdo. Trajetória, projetos e teatro: apontamentos memoriais da formação artística e acadêmica de um professor/ator. 2012. 62 f. Monografia (Licenciatura em Teatro)—Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Íntegra: http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/5295/1/2012_LucioJosedeAzevedoLucena.pdf
Referência: LUCENA, Lúcio José de Azevêdo. Trajetória, projetos e teatro: apontamentos memoriais da formação artística e acadêmica de um professor/ator. 2012. 62 f. Monografia (Licenciatura em Teatro)—Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Íntegra: http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/5295/1/2012_LucioJosedeAzevedoLucena.pdf